Saturday, February 13, 2010

É claro que custa ser gentil




Após anos de distância, uma amiga minha (polonesa) dos tempos de Londres me escreve dizendo que o namorado (inglês) está em São Paulo e precisa de ajuda para deixar de ser extorquido por taxistas, gerentes de hotéis e tudo mais.
Acho espaço na agenda, repasso dicas turísticas, organizo um jantar na Vila Madalena para conhecê-lo, além da trupe de mais dez ingleses que viajava com ele, e, claro, aproveito para escrever uma carta e comprar um presente para ele levar para essa grande amiga. Ao escrever a mensagem, me emociono ao lembrar do nosso companheirismo, trabalhando e morando no andar de cima do The Cottage. Éramos bem irmãs.

O namorado voltou para Inglaterra. E, dela, nunca recebi sequer um e-mail agradecendo pelo presente e compartilhando as memórias resgatadas. A gente sabe que não se deve oferecer esperando algo em troca, mas essa minha amiga perdeu uma valiosa oportunidade de ser gentil.


E quantas vezes não fizemos o mesmo? Deixamos de acolher, de cuidar do que é significativo, por conta do trânsito, da correria, dos prazos do trabalho, da chuva do fim da tarde, da preguiça, dos humores instáveis da nossa mente.

Percebo que o mundo ao meu redor está, infelizmente, cada vez menos gentil. É cliente que sabe cobrar bem por prazos iniciais e depois some por meses sem dar retorno. É o salve-se quem puder no metrô das seis horas. São relacionamentos que começam no (delicioso) acaso das aventuras e depois desandam sem nem o esforço de uma conversa franca para levar a vida adiante com mais leveza e dignidade.

Porque, ao contrário do ditado, custa sim ser gentil. Custa tempo, principalmente. Para ir até a livraria, comprar um cartão, escrever uma mensagem verdadeira e ir até os Correios. Planejar uma viagem, escrever e-mails, ou simplesmente ficar horas no silêncio, dando colo para uma amiga em crise existencial.

Custa também dinheiro. Para mandar flores para a mãe, para trabalhar de forma voluntária.

Isso tudo surgiu quando refleti sobre a frase do Dalai Lama: “My religion is kindness” (Minha religião é gentileza). Não é sensacional? Não fala de rituais religiosos, Deus, deuses, moral ou de cívica. Pincela a importância da generosidade sem obrigação. De ser gentil como início, meio e fim.

Foto: prisma by Carli, fev 2010

No comments: