Diretamente do blog do Sakamoto (Repórter Brasil), palavras indignadas e verdadeiras, que assino embaixo...
"(...) Ao mesmo tempo, está chovendo em São Paulo. E muito. Para quem é de fora e não sabe, São Paulo é uma cidade impermeabilizada. Em que os rios foram retificados e seus cursos originais viraram avenidas. Que alagam no inverno e no verão. Em que quase toda terra nua que escoava a água foi coberta por asfalto e concreto. Que alagam no inverno e no verão.
E apesar dos lamúrios da classe média, que fica presa no trânsito, demorar para voltar para casa é o de menos. Pelo menos há a certeza de que ainda há uma casa para se voltar. O problema é quem chega e encontra a cozinha, a sala, o quarto, o banheiro alagados. Nas últimas madrugadas, barracos deslizaram, crianças morreram soterradas. E nos próximos dias, continuaremos a ver as cenas de sempre: alguém será levado pela correnteza e famílias perderão tudo, sendo alojadas em ginásios de escolas públicas. Vão ganhar espaço na mídia, mas o debate vai durar só até o asfalto secar. É principalmente na periferia, onde gente vale menos. Ou melhor, vale em anos pares, quando há eleição.
Eu gostaria muito que, um dia, uma grande chuva chegasse escura no meio da tarde. Veriam, em pouco tempo, tratar-se de um pé d’água bíblico, maior que as tempestades habituais que atingem o planalto de Piratininga. E começasse a cair, toda ela, apenas nos bairros nobres da cidade. A água subiria com o lixo entupindo as bocas de lobo e iria inundar casas, encharcar tapetes, afogar alguns carros e arrastar colchões. O pessoal teria que ir para algum hotel, mas os hotéis também estariam alagados, bem como as casas de amigos. Então, teriam que ser construídos alojamentos emergenciais na Daslu, com uma fila de sopão de funghi. No mínimo, seria interessante ver os Jardins terem seu dia de ZL.
Talvez, com isso, seriam implantadas ações para amenizar o sofrimento desse povaréu, que foi empurrado para as várzeas e vales de rios pela especulação imobiliária e a pobreza. Dividindo a mesma situação, talvez enxergassem no outro não apenas um personagem da matéria da TV e sim um igual e juntos buscassem alguma solução.
Ou talvez não desse em nada. Mas pelo menos ia lavar a alma de quem é lavado pela chuva todos os anos."
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