Saturday, February 19, 2011

Não se come uma mulher

Não se come uma mulher

Já ouvi muito que sexo não é seguir a cabeça e deixar as coisas acontecerem. Sexo seria não pensar. Não concordo, sexo não é inconsequência, é consequência da gentileza. Consequência de ouvir o sussurro, de ser educado com o sussurro e continuar sussurrando. Perder o pudor, não perder o respeito. Perder a timidez, não perder o cuidado.

Sexo é pensar, como que não? E fazer o corpo entender a pronúncia mais do que compreender a palavra. Como se não houvesse outra chance de ser feliz. Não a derradeira chance, e sim a chance.

Uma mulher está sempre iniciando o seu corpo. Cada noite é um outro início. Cada noite é um outro homem ainda que seja o mesmo. Não se transa com uma mulher pela repetição. Seu prazer não está aprendendo a ler. Seu prazer escreve – e nem sempre num idioma conhecido.
Ela pode ficar excitada com uma frase. Não é colocando de repente a mão na coxa. Ela pode ficar excitada com uma música ou com uma expressão do rosto. Não é colocando a mão na sua blusa. Mulher é hesitação, é véspera, é apuro do ouvido.

Antever que aquelas costas evoluem nas mãos como um giz de cera. Reparar que a boca incha com os beijos, que o pescoço não tem linha divisória com os seios, que a cintura é uma escada em espiral.

É comum o homem, ao encontrar sua satisfação, recorrer a uma fórmula. Depois de sucesso na intimidade, acredita que toda mulher terá igual cartografia, igual trepidação. Se mordiscar os mamilos deu certo com uma, lá vai ele tentar de novo no futuro. Se brincou de chamá-la de puta, repete a fantasia interminavelmente. Assim o homem não vê a mulher, vê as mulheres e escurece a nudez junto do quarto.

Amar não é uma regra, e sim onde a regra se quebra.
Não se come uma mulher, ela é que se devora.”

Esse texto foi retirado de Canalha!, do escritor gaúcho Fabrício Carpinejar, um verdadeiro achado! Carlos deu ontem de presente para a Vivi. Abusada, estou prestes a terminar de ler antes mesmo de a aniversariante iniciar o prefácio. Crônicas leves, bem-humoradas e cotidianas – daquele cotidiano inteligente e sensível que a gente aprecia e quer viver.

É muito bacana conhecer novos amigos por meio de suas escolhas. Carlos já ganhou vários pontos simplesmente por ter dado o livro de presente, tão bom gosto. Me indicou a crônica “Unhas II”, uma de suas favoritas, depois foi lavar a louça do almoço. Achei o texto sensacional.
Carlos e Carpinejar são os saldos extremamente positivos deste fim de semana quente em Ribeirão. À noite, teremos a grande festa de 50 anos do doutor Flávio.

Por falta de habilidade interna para escrever poesia, continuo sussurrando silenciosamente o mantra interno: como é bom viver.

2 comments:

24por7 said...

Excelente! Obrigada por compartilhar... texto mais do que perfeito depois da minha temporada em Fortaleza (onde me choquei com o turismo sexual descarado).
Tá quente aí em RP? kkkkk...
Ah! Nesta sexta embarco pra India!
Beijocas

Carline :) said...

Namastê, Dani! A beira-mar de Fortaleza é realmente um soco no estômago nesse sentido, afe. Vou acompanhar as aventuras na Índia pelo seu blog! Aproveite, muito. E retorne mais sábia ;)Beijo enorme