Monday, March 14, 2011

Eu espero a chuva no altar

Eu espero a chuva no altar

Não precisa ser poeta para fazer poesia.

A poesia não pergunta sua ocupação, ela pousa.

Estava na casa do meu cunhado, Gérson, quando o vejo xingar seus filhos Natasha e Lucas, que não paravam a mútua provocação. Aguardava um corretivo fúnebre, uma imprecação de trânsito, um palavrão gordo e ruidoso.

Mas que nada, que elegância para desaforar. Não ardia a ofensa. Não foi aquele pp, fm, m. Foi como uma música de Dorival Caymmi, mais plágio do mar do que coisa do homem. Ele disparou: Vai dormir para chover.

Ouviram isso? Vai dormir para chover. Essa foi a reprimenda, a terrível reprimenda que saiu de sua voz. Eu ouvi e pedi para ser insultado também.

Troque um desaforo por um poema. A boca não ficará mais perfumada, mas a terra sim.

Uma combinação mágica: quem não deseja dormir com chuva? Chuva e telhado, chuva e paz, chuva e meio-fio, chuva e janela, chuva e lençol limpo. Afinal, quantas madrugadas fui descansar esperando que a água lá fora alisasse minha testa e sufocasse a sirene do despertador com suas elegias de limo?

Dormir para chover. Dormir para ver se a chuva chega logo. Aguardar a chuva no altar. Casar-se com a chuva e seu toldo de neblina. Eu quero dormir para chover, como Manual Bandeira gritava pela Estrela da Manhã. Deixar que um lago se acumule nos vasos, que os chapéus fiquem murchos, que as plantas se estiquem em exercícios aeróbicos.


Dormir para chover. Assim como meus filhos falam boa noite quando vou cochilar de tarde no final de semana. Nem estão aí para o horário, estão preocupados em ser fiéis com o escuro que toma o quarto e a respiração dos pais. Dormir e pescar meus pecados, dormir e se arrepender.

A chuva é quando me confesso. Nunca poderia me salvar num dia de sol, numa manhã esquartejada de azul. Como pedir desculpa com a luz empurrando para rua? A redenção surge com a chuva, os relâmpagos montando pandorgas nos morros. A chuva me transporta para casa, para as gavetas, para o abajur. Aos lugares mansos de mim. A chuva, e lá vão os olhos a nadar ida e volta. Ida e volta. Ida”. Fabrício Carpinejar, em Canalha!

Bom dia! E a semana começa...

Photo by me. Rainy days in Minas Gerais, 2010

No comments: